«O retorno à cor tem o mérito de aproximar um pouco mais do ‘coração das coisas’.»
Maurice Merleau-Ponty
Plasma
(para Marcelo Tosta)
Empondera-te da significação
com a paleta do sangue
e empreende em tuas cores
o vermelho inicial
plasmando o texto irrepetível
nos olhos da existência
um sol que se prolonga
até o centro povoado-
insular do homem
matéria de fuga
mito de si.
Cava buracos ao negro
pintando teu primeiro amanhecer.
O ávido, o materno
ave da terra
engendra tua inocência
de sêmen e foice
abre feridas no véu
de minha própria adolescência.
Face da paisagem
na constituída entranha
de personagens que, espelhos
admitem o vulto
e reencontram os rostos enamorados
de si mesmos
reconstroem o abismo
de nascença.
*
Escrever sangue
Percepção vital e precária de que as imagens nascem do sangramento da palavra. Escrever em recorrência, palavras como sangue, inevitáveis, necessárias, como o sangue o é.
Há quem diga vermelho do vermelho? Que de novo circula o oxigênio para as células? Que é festim o alimento que entranha a consciência? Enfadonho e que já tarda?
Pois bem, o sangue traz o sangue. Da natureza do fluxo, chamá-lo, dispersando a cor pelo seu nome. Revestindo, para avivar a forma. Imanente ao pensamento: formular por coágulos.
(Ver, antes disso, é como um bem sepulto. Anil de uma liberdade que não se engendra. Cegueira, que chamaremos saudade.)
*
Radial
Dispersa forma, lânguida.
O vermelho subterrâneo
e a crina espera.
Vencer a barreira dos sons
que me montam
para o ilimitado
puro barro sem molde
cavalo saído das brasas
de minha nuca
selva e cidade.
Ser, olhando bem
a melhor maneira
de coisa nenhuma.
Estar. Presa a nada
partir tudo
estar aqui
por ser, por dar.
Imagem| Maria Padilha (detalhe)
por Marcelo Tosta