
[tradução/ metatradução/ transliteração/ versão/ traição: Nina Rizzi]
UM PARAFUSO CAIU NO CHÃO
Um parafuso caiu no chão
nessa noite escura de horas-extras.
Caiu vertical, tilintando ligeiramente.
Ninguém prestou atenção.
Igual a última vez
em uma noite como esta
em que alguém se lançou ao vazio.
(9 de janeiro de 2014)
UN TORNILLO CAYÓ AL SUELO
Un tornillo cayó al suelo
en esta noche oscura de horas extras.
Cayó vertical, tintineando ligeramente.
Nadie le prestará atención.
Al igual que la última vez
en una noche como esta
en la que alguien se lanzó al vacío.
(9 de enero de 2014)
§
QUARTO ALUGADO
Um espaço de dez metros quadrados
Estreito e úmido, sem luz solar o ano inteiro.
Aqui como, durmo, cago, penso.
Me resfrio, tenho dores de cabeça, envelheço,
fico doente, mas não morro.
Sob a tênue luz amarela, de novo, olho fixamente,
rindo como um idiota.
Caminho de um lado para o outro, cantando baixo, lendo
escrevendo poemas.
Cada vez que abro a janela ou a porta de vime
pareço um morto
abrindo lentamente a tampa de seu caixão.
HABITACIÓN ALQUILADA
Un espacio de diez metros cuadrados
Estrecho y húmedo, sin luz solar todo el año.
Aquí como, duermo, cago, pienso.
Me resfrío, tengo dolores de cabeza, envejezco, me
enfermo pero no muero.
Bajo la tenue luz amarilla, de nuevo, miro fijamente,
riendo como un idiota.
Camino de un lado a otro, cantando bajo, leyendo,
escribiendo poemas.
Cada vez que abro la ventana o la puerta de mimbre.
Parezco un muerto
abriendo lentamente la tapa de su ataúd.
§
ENTERRADO NO CORAÇÃO DA VIDA
Não se conteve para ir,
as pálpebras pesadas como a montanha.
Tratou de levantar a cabeça na noite
e debaixo das estrelas verteu lágrimas escuras.
Os ventos agitavam e derrubaram seu corpo magro.
É hora de esquecer as inibições da meninice.
A neve que caia sonhou com o fogo frio.
A pele gasta como lâminas de algodão rasgado,
até lá fora, o ano do vento.
Quando morre a fé, se encontra a direção.
Uma vida de depressão enterrou o coração
no mais profundo do oceano.
(15 de dezembro de 2011)
ENTERRADO EN EL CORAZÓN DE LA VIDA
No se contuvo para ir,
los párpados pesados como la montaña.
Trató de levantar la cabeza en la noche
y bajo las estrellas vertió lágrimas oscuras.
Los vientos agitaban y derribaron su delgado cuerpo.
Es hora de olvidarse de las penas de niño.
La nieve que quedaba soñó con el fuego frío.
La piel gastada como guata de algodón roto,
hacia fuera, el año del viento.
Cuando muere la fe, se encuentra la dirección.
Una vida de depresión, enterró el corazón
en lo más profundo del océano.
(15 de diciembre de 2011)
§
UMA ESPÉCIE DE PROFECIA
Os anciãos do povoado dizem
que me pareço com meu avô em sua juventue
Eu não reconheço isso
mas de tanto escutá-los
me convenceram.
Meu avô e eu temos iguais
expressões faciais,
caráter, passatempos.
Quase como se tivéssemos saídos da mesma matriz
O apelidaram «Vara de bambu»
e a mim, «cabide para roupas».
Costumava engolir seus sentimentos,
eu os sorvo.
Ele gostava de decifrar enigmas
eu, as profecias.
No outono de 1943, demônios japoneses invadiram
e queimaram vivo o meu avô
ele tinha 23 anos.
Este ano cumprirei 23.
(18 de junho de 2013)
UNA ESPECIE DE PROFECÍA
Los ancianos del pueblo dicen
Que me parezco a mi abuelo en su juventud.
Yo no reconozco eso
pero de tanto escucharlos
me convencieron.
Mi abuelo y yo compartimos
expresiones faciales
carácter, pasatiempos.
Casi como si saliésemos de la misma matriz
Lo apodaban «Caña de bambú»
y a mi, «Percha para ropa».
Solía tragarse sus sentimientos
yo los obsequio.
Le gustaba descifrar acertijos
a mi las profecías.
En el otoño de 1943, demonios japoneses invadieron
y quemaron vivo a mi abuelo
a sus 23 años.
Este año cumpliré 23.
(18 de junio de 2013)
*
Xu Lizhi (许 立志) se suicidou em 30 de setembro de 2014, aos 24 anos, em Shenzhen, China. Trabalhava com 800.000 outros funcionários na Foxconn, o maior fornecedor e fabricante da Apple, Dell, HP, Motorola, Nintendo, Sony e Nokia. Depois de sua morte, a empresa, muito benevolente e preocupada com a vida de seus funcionários, colocou barras nas janelas.
Os poemas de Xu Lizhi denunciam a não-vida ao pé da máquina, da linha de montagem, mas também a existência do proletariado mundial que funciona em um fábrica, escritório, na rua ou onde quer que venda sua força de trabalho; esse operário é também uma máquina. Cada um de seus poemas expõem a miséria de um mundo onde o lucro tem prioridade infinita sobre a vida humana. Depressão, ansiedade, disfunção sexual, sonolência, insônia, raiva, tristeza, suicídio… essa é a realidade do mundo do trabalho capitalista.
Estes poemas aqui apresentados e vertidos por mim ao português, foram recolhidos do coletivo Mariposa del Caos/ Argentina; antes foram coletados e publicados por amigos de Xu Lizhui, traduzidos em espanhol do chinês simplificado e do inglês. Como diz o provérbio italiano «Traduttore, traditore».
Nina Rizzi
Brasil, 2017
***