No que me antecede ser
mulher, a presença de Naná
mãe pura do acalanto da
Amazônia, eu cegamente
sombria caminhando sobre
o pavimento dos céus
escolhendo meus algozes
concebendo, enfim
a justiça dos pardais.
*
Pudesse a mulher com os pardais
encontrar a rota inalterada
se também é feita de equívoco
parte de tudo que alumia
desencontro de espécies.
Um ajuntamento a outro
sobre muros, bancos, cabeças
vazias, registrando o insólito.
Ela feita para o amor cavo
não sabe distinguir humanidades
consignou seus poemas a voar
Avôhai – talvez, na década de setenta.
*
Meu gemido gesto
meu sentido enfático da solidão
não tenho cordas com que amparar
os acenos da mulher enovelada.
Olhar para o nada
mulher, olhar para o nada
digo a língua das brenhas
sorrio vermelha, menstruada.
A boca onde fui alcançada
tornei mecânicos
os dervixes, os deveres.
Outono incide nos ares, cafés
caminhos pro cinema
interpelo mãos, olhar baixio
de bestas fêmeas –
cada vez mais fêmeas
cada vez mais feras.
*
Decisão
Valha-me ser mulher
ser mulher e navalha
no rasgo das coxas fremidas
no tampo, no acinte da mesa
chamar ao passado mesa
o que quer que se acumule
nesse pedaço de nome
de vidro e madeira
nesse deslugar de falo
torvelinho de girar, quebrar
papeis e carinhos
incumbir à puérpera
sua espécie ebó
nascendo nas encruzilhadas
podendo ser tudo
costumeiramente nada
valha-me que ser mulher
ser mulher é navalha.
Imagem|Roberta Tostes Daniel