Doente em viagem
Peregrinam sonhos meus
Por uma terra morta.
«Awake», Kraaust U. Young
A SUBSTÂNCIA
Era um cantil de aço inoxidável para bebida. Aquele cantil cinzelado de finas nervuras lhe havia, sem que percebesse, ensinado a beleza da “substância”.
O PROVIDENTE
A viela do posto fazia pairar um odor de combustível e cebola refogada. Enquanto estancava o ferimento, ele ia vencendo os paralelepípedos e olhares aturdidos. Um bueiro destapado exalava uma olência nauseante.
— Salva ela, salva ela!… — Seus lábios mordiam esse suplício acidentalmente. Salvar quem? Para ele, isso era nebuloso. Pensava naquela mulher de cabelos acobreados, que era naturalmente boa, e naquela de braços muito curtos, que não era nem boa nem má.
Nesse lapso, para além das cebolas perfumadas e do bueiro hediondo, tornava-se visível a bolsa clutch de crochê sobre um banco…
A DISCIPLINA PAULISTANA
Caminhava com um amigo pela Avenida Paulista. Do outro lado, uma bicicleta, coberta de propagandas, vinha aproximando-se. Para sua indiferença, percebeu sobre ela a mulher da noite anterior. Mesmo em pleno dia, seu rosto parecia pautado pela fuligem de um armazém. Naturalmente, na frente de seu amigo ele não a cumprimentou.
— Não era a moça de ontem? — perguntou o amigo.
Ao que ele respondeu sem hesitar, os olhos já fixos em outra bicicleta.
— Não me lembro.